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642. Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal? “Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem.” ( KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos)
Sobretudo entre espíritas de maior formação acadêmica e boa situação social é recorrente a indagação sobre a verdadeira identidade doutrinária. Preocupação natural, já que, possuindo conforto material e certas competências cognitivas, querem saber se está correta sua posição ante a doutrina dos imortais. Para isso fazem pesquisas, que resultam em teses, dissertações, artigos e resoluções congressuais.
O espiritismo é a mais avançada e completa doutrina, pois não contraria a ciência, é progressiva e seu horizonte é a infinitude. Assim, é lamentável grandes inteligências o recusarem por puro preconceito, esse irmão siamês do orgulho e da ignorância. Foi o caso do imortal Machado de Assis, que numa de suas crônicas, ironizou: “Mortos falando?! Era o que me faltava...”. Karl Marx, autor da escatologia materialista histórico-dialética foi outro, tendo anotado em sua obra prima:
“Depois da derrota das revoluções de 1848/1849 começou na Europa um período de mais obscura política reacionária. Enquanto, nesse tempo, as rodas aristocráticas e também as burguesas se entusiasmaram pelo espiritismo, especialmente por fazer a mesa andar, desenvolveu-se na China um poderoso movimento de libertação antifeudal (O Capital, São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 70 – grifos nossos)
Cabe lembrar que, ao elaborar sua célebre Teoria do Valor, que tem o Trabalho como pilar ontológico, Marx criticou Aristóteles por ter se colocado diante desta questão, ao cogitar relação possível entre o valor de um cavalo e um saco de farinha, mas depois virou as costas. No caso do espiritismo o filósofo comunista não fez melhor: tomou conhecimento da “invasão organizada dos espíritos”, conforme denominou Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes), em seu clássico “História do Espiritualismo”, que começou pelas mesas girantes, provavelmente deve tê-las presenciado, e foi para casa planejar a revolução para a implantação da ditadura do proletariado, com sua promessa de emancipação da humanidade, pelos movimentos da matéria e ao preço da liberdade, em futuro incerto e não sabido.
Referimo-nos a Marx e Machado de Assis, autores laicos e arreligiosos de enorme expressão, para chamar atenção sobre as distorções do intelectualismo que parcelas significativas dos espíritas empregam na busca de orientação em suas condutas perante a existência sem fim. É que Machado e Marx pararam na porta onde outros puseram o primeiro pé, mas receiam colocar o segundo...
É óbvio que o espiritismo deve se relacionar com as correntes progressistas, porém, sobretudo, deve cumprir a sentença do capítulo XV, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Fora da caridade não há salvação”! Ter identidade espírita, portanto, é se dedicar ao estudo e reflexão, mas com reserva ponderável espaço para assistir aos necessitados, praticando a caridade. E não vale só doar a sobra de casa, ou mesmo um trocado aqui e outro ali: é preciso ir até o sofrimento, levando entendimento e solidariedade. Porque para quem sofre, menos que a solução da própria dor, mais vale sentir que alguém se importa consigo e ali comparece, em nome de Deus, o mesmo Deus que criou quem consola e quem é consolado.
Dar voltas no “céu” da teoria sem descer a “terra” da prática é contrariar a essência espírita, apenas reeditando o velho deísmo. O espiritismo segue outra direção: conquistas intelectuais (que qualquer escola propõe) são somente meios para desenvolver aptidões espirituais, e não fins em si mesmas. Progresso espiritual, aquele que importa de fato, requer agregar virtudes: da doçura, simplicidade e humildade, passando pela coragem e justiça, até a misericórdia, compaixão e generosidade, dentre outras. Ele desafia os limites especulativos da finitude, onde todas as demais doutrinas estacam, para posicionar-nos no ângulo da eternidade. Por isso o espiritismo ensina que aqueles que sabem podem muito, mas os que amam podem imensamente mais, sendo esta sua verdadeira identidade.
A Vida é dom gratuito, pois Deus nada nos cobra por ela. Por que, então, somos egoistas?
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